Prep time: erros comuns cometidos

Foto do membro da equipe

João Milton Oliveira Sousa

4 de maio de 2025

Argumentação
Refutação

Introdução

O tempo de preparação é, talvez, a etapa mais importante de um debate para definir se uma dupla ganhará ou perderá o debate. Durante o prep time, diversas habilidades comuns aos bons debatedores são exigidas, desde a leitura básica de uma moção até o arcabouço teórico e de conteúdo sobre o mundo.

Nesse sentido, pecar em habilidades básicas como as supracitadas pode fazer com que uma dupla pense e elabore todo um caso que não toque os pontos principais da moção ou não engaje com as demais bancadas. Nessa visão, perceba que boa parte das críticas que a maioria dos discursos que vocês, leitores, já fizeram podem ser associados a uma escolha de caso ruim, derivado de um prep time que não foi eficiente.

Por exemplo, quando um juiz diz que as segundas metades não foram capazes de trazerem novos contributos no debate (derivação), portanto, restariam prejudicadas nas comparativas com suas bancadas altas, nesse cenário, é provável que o prep time das duplas “baixas” tenha sido inadequado, talvez por que não possuíam contributos distintos para somar ao debate, e isso é consequência direta de um prep time que não leva em consideração a posição dos debatedores de forma estratégica.

Portanto, os debatedores que não souberem otimizar o tempo de preparação com sua dupla de forma a instrumentalizar da melhor maneira possível seus conhecimentos técnicos de debate e conhecimentos gerais de mundo, inevitavelmente, irão fracassar. Não levem essa afirmação a pior luz, é sim possível ganhar um debate com um prep time ineficiente mas isso depende de uma série de fatores externos a você, vide, demais bancadas cometendo erros perceptíveis e uma boa interpretação do painel de juízes sobre o seu caso.

Por outro lado, mesmo sendo claro que um tempo de preparação ruim prejudica o restante do seu discurso e do debate como um todo, isso não é tão óbvio assim para a maioria dos debatedores. Pois, a verdade seja dita, não existe feedback sobre o tempo de preparação, não há como um bom juiz - por melhor que seja - apontar os erros de um prep que ele não presenciou. Ou seja, perceber os erros constantes que você repete durante esse período depende muito mais do senso crítico dos debatedores baseados no que eles “acham” que deveria ser um prep ideal.

Assim, é exatamente nesse ponto que essa série de artigos entram em cena, com três objetivos centrais, sendo esses:

Identificar os erros mais comuns cometidos por debatedores durante o tempo de preparação.

Contribuir com dicas gerais sobre como mitigar os erros e aprimorar a eficiência de um prep time.

Por fim, consolidar algumas boas práticas exigíveis a um bom prep time.

De início, neste artigo, adotarei - para fins metodológicos - uma divisão simples falando sobre alguns assuntos centrais. Assim, irei discorrer sobre as más práticas que devem ser evitadas durante um prep, quer sejam, “a)” Entrar de cabeça na moção, “b)” mecanizar durante o prep time e “c)” Não administrar o tempo.

Erros gerais que devem ser evitados durante o tempo de preparação

Um prep time pode vir a ser ineficiente por uma série de motivos distintos.

Entrar de cabeça na moção

Frequentemente ocorre que, ao ler uma moção, os debatedores têm “algo a dizer” sobre esse assunto e, dessa forma, ideias de casos vem à cabeça dos debatedores baseadas no seu conhecimento de mundo. Mais do que isso, a maioria dos debatedores começa o seu prep time pensando em “qual é o melhor caso de governos/oposições?”.

Somos treinados a constantemente buscar o melhor insight possível para uma moção, pois parece óbvio que o melhor argumento é o que ganha o debate, pelo menos é o que a maioria dos debatedores acreditam, entretanto, essa forma de pensar incide em vários problemas.

Primeiramente, ignoramos uma série de elementos tangentes ao argumento que são igualmente importantes, ou até mais, do que a sua estrutura per si, ou seja, o que consideramos como o “melhor” argumento não pode ser o “melhor” argumento apenas por ser o mais intuitivo quando eu olho para uma moção.

Nesse viés, outras coisas também devem ser pensadas para achar o “melhor” argumento quando se vê uma moção, como por exemplo, o que a moção me pede? até onde vai o limite de alteração na realidade que essa moção propõe? Como esse argumento responde aos principais casos das outras bancadas? Quais métricas são as mais relevantes?

Diante disso, pensar em outros elementos antes mesmo de pensar em argumentos é uma forma de não só pensar em casos mais estratégicos e que se adequem ao que o melhor debate possível - um debate de sala 1 - como também evita que você perca muito tempo trazendo argumentos e análises relevantes para a mesa de adjudicação nas comparativas de sua bancada.

Nesse sentido, a questão que surge é: se eu não devo entrar de cabeça na moção logo de início, o que fazer quando eu ouvir a moção pela primeira vez? Para tanto, acredito que existem dois pontos centrais

Pensar no contexto que a moção está imbuída

Debates não existem no vácuo, todas as moções tocam discussões presentes na realidade de alguma forma, das mais óbvias que discutem sobre narrativas políticas, movimentos sociais, ascensão de alguma prática/pauta, momentos históricos ou mundos fictícios, até as mais discretas que versam sobre questões lúdicas ou valorativas como debater correntes filosóficas ou moções de “espera”.

Assim, é importante ter em mente que todos os debates possuem, ou, devem possuir um paralelo claro com a realidade a sua volta. Nesse sentido, debater a especificidade que a moção toca na realidade é debater um argumento mais relevante e/ou central sendo ele mais fácil de ser sopesado e compreendido pela mesa adjudicadora. Para clarificar: Em moções de economia em que se discutem medidas econômicas distintas e excludentes, como o protecionismo econômico Vs. a abertura de mercado, é natural que a maioria dos debatedores saibam coisas sobre ambos os lados e tenham um ou outro conhecimento sobre as consequências lógicas de ambas as políticas, isso não é um problema.

Porém, o problema surge quando o debatedor olha para esse trade off que a moção propõe e inicia seu tempo de preparação com alguma dúzia de linhas que pretende explorar sem levar em consideração as nuances da moção a ser debatida. Tais pontos, que podem ser - mas não se limitam há - “A)” o contexto social do país em que essa moção está rodando, “B)” questões econômicas recentes ou históricas que ocorreram neste país sobre o assunto e “C)” demais coisas que a escrita da moção podem induzir ao debatedor.

Pensar nos fardos que a moção te impõe

Não obstante, a escrita da moção também pode oferecer algumas dicas sobre como ela deve ser debatida em termos gerais. Identificar os fardos que as moções impõe às bancadas é essencial para filtrar quais são os casos mais relevantes dentro desse debate. Para isso, proponho o seguinte entendimento: Existem dois tipos de fardos que uma moção pode te impor, os fardos gerais, derivados do tipo de moção, e os fardos específicos, derivados do contexto da moção, ou de termos centrais do debate.

Sobre os fardos gerais, derivados do tipo de moção, vale dizer que todas as moções são escritas seguindo um modelo prévio - estabelecido no manual - que baliza o que é possível e desejável naquela moção. Basicamente, estamos falando sobre leitura de moção e suas competências.

Nesse sentido, veja-se que debater a moção “EC se opõe às políticas de austeridade fiscal adotadas por Michel Temer” é diferente de debater a moção “EC lamenta às políticas de austeridade fiscal adotadas por Michel Temer” uma vez que a primeira moção restringe o debate a uma valoração de razões pelas quais a política X fez mais mal do que bem, em contraponto, a segunda moção pede um debate mais comparativo entre a política X e as demais opções possíveis (contrafactual estabelecido pelo primeiro governo).

Portanto, entender o que a melhor leitura possível de uma moção permite é restringir suas linhas argumentativas e definir o que é o centro do debate de forma a ganhar mais relevância com os casos pensados.

Noutro ponto, quando falamos de fardos específicos não nos limitamos às questões de contexto, pois, às vezes, algumas moções são escritas de forma a impor um ônus direto a uma das bancadas, por exemplo:

Na moção “ECAQ os países subdesenvolvidos devem implementar políticas antidumping radicais”, não necessariamente está sendo proposto um debate sobre se as políticas antidumping são, per si, boas ou ruins no contexto dos países subdesenvolvidos. Mas, está sendo colocado um ônus sobre governos de defender que essas políticas sejam aplicadas de forma “radical”, ou seja, oposições possuem margem para dizer que, talvez, políticas antidumping sejam uma boa ideia se forem aplicadas de forma moderada em setores específicos da economia.

Em conclusão, percebemos que esses termos específicos dentro de uma moção podem desvirtuar o debate, de forma a indicar explicitamente o que cada bancada deve fazer. Portanto, perceber que esses fardos estão sendo direcionados a você ou apontar que eles deveriam ser direcionados às outras bancadas é essencial para pensar em casos mais centrais no debate.

Pensar naquilo que é mutável pela moção e o que muda por outros fatores

Em alguns casos, é comum que os debatedores elaborem durante o prep time casos com super impacto ou até mesmo não excludentes. Isso ocorre pois não pensam de forma comparativa os próprios argumentos e os argumentos possíveis naquela moção.

Nesse ponto, vamos observar a moção:

Moção:

EC Lamenta a norma social de que o trabalho dignifica o homem.

Sob essa moção, governos têm a prerrogativa de estabelecer um contrafactual, porém, ainda subsiste um ônus argumentativo que sustente o contrafactual enquanto plausível dentro do debate.

Nesse sentido, vamos supor que primeiro governo opte por um contrafactual onde “na inexistência da norma o capitalismo moderno não seria capaz de se sustentar”, portanto, “no mundo de governos as estruturas sociais do capitalismo moderno não permeiam as instituições” e, assim, “trabalhando com um mundo onde normas sociais ou correntes marxistas/comunistas se desenvolveram”.

Nesse contexto, a média das outras bancadas sem dúvidas diriam - e com razão - que “as estruturas sociais do capitalismo subsistem independente de suas narrativas de controle social”, em suma, “alegando que o contrafactual em questão carece de plausibilidade” e que, “provavelmente, o capitalismo - com todo o seu ciclo predatório de exploração - continuaria existindo”.

Percebam, nesse exemplo, que o erro de primeiro governo vai além do enquadramento do suas linhas, dos incentivos de seus argumentos, da força dos seus impactos ou da clareza de suas comparativas. Nesse ponto, o erro de primeiro governo subsiste na “escolha de caso” desde um tempo de preparação que não levou em consideração o que de fato poderia ser mudado pela proposição da moção.

Em conclusão, percebe-se que devemos lidar com os pontos que a moção não altera na realidade, por mais problemáticos que sejam. Nesse sentido, focamos nas coisas mutáveis pela proposição da moção e como isso interage com o restante da realidade.

Para isso, o debatedor deve frequentemente perguntar: 1) Qual o problema que essa moção traz à tona? 2) Como a proposição da moção altera a realidade? 3) Qual o limite dessa alteração (o que a moção não altera)? 4) Como a minha bancada e as demais deveriam lidar com as respostas para as últimas perguntas?

Em conclusão, percebemos que uma boa leitura sobre aquilo que é de fato mutável pela moção e aquilo que é excludente de um dos lados faz com que nós sejamos capazes de filtrar as melhores linhas argumentativas possíveis para um bom debate sem cairmos em super impactos ou em casos assimétricos.

Mecanizar durante o prep time

Primeiramente, devemos entender o que quero dizer quando afirmo que “mecanizar durante o prep time” é um problema, para tanto, por “mecanizar” entende-se o ato de explicitar os motivos e/ou incentivos que fazem com que a afirmação (claim) que se pretende provar é de fato plausível para a sua dupla, a fim de convencer sua dupla de que o caso de vocês será comprado pela mesa.

Um dos erros mais comuns durante o tempo de preparação e que dificulta o desenvolvimento de um bom prep time é a forma como os debatedores conversam sobre os argumentos que desejam rodar em seus próprios discursos. Frequentemente os envolvidos buscam mecanizar os argumentos durante o prep time, utilizando um tempo precioso de forma pouco estratégica.

Tendo em vista o curto período de 15 minutos é pouco estratégico que um membro da dupla utilize grande parte do tempo de preparação ditando tudo o que pretende trazer em seu próprio discurso. Com isso, busca-se uma maior eficiência entendendo que o prep time não é sobre convencer sua dupla de que vocês possuem um grande caso, haja vista a lista de mecanismos que você está expondo, mas sim, entendendo que trata-se de prever melhor o debate. Para tanto devemos abrir mão de uma explicação mais elaborada dos nossos argumentos e utilizar melhor o tempo de preparação com enfoque em outras competências (ônus de moção, respostas que virão ao próprio caso, problema a ser resolvido, métrica mais relevante, entre outros).

Porém, devo ressaltar que isso não significa abandonar completamente as explicações de mecanismo em um prep time, apenas, significa que devemos depreender tempo com isso quando de fato parece ser necessário.

Nesse sentido, no momento do prep time em que uma dupla estiver diretamente conversando sobre o caso que pretendem discursar, foque nas afirmações que pretendem provar e na relevância dos seus impactos, discutindo mais sobre se seus argumentos são relevantes, se respondem aos casos das outras bancadas ou quais respostas possíveis podem surgir.

Ainda assim, subsiste a questão: o que fazer quanto aos mecanismos de prova de determinado argumento? Esses devem ser pensados exclusivamente com o debatedor que ficar encarregado de trazer a robustez de mecanismo - em seu discurso - cabendo a ele, é óbvio, acordar um tempo de seu prep individualmente para isso, assim, podendo e descrever seus mecanismos de forma sucinta e em caso de dúvidas ou dificuldades, para uma claim dita no prep time, discutir mais com sua dupla, ai sim, sobre os mecanismos plausíveis para provar o ponto.

Administrar mal o tempo de preparação

O tempo é um recurso escasso e a maioria dos debatedores não se organizam de forma adequada com relação a isso. Organizar como uma dupla administra seus minutos de preparação é essencial para que você não incorra em problemas básicos como não ter tempo de escrever seu discurso sendo primeiras metades ou não pensar em linhas vastas o suficiente para não ser secado em segundas metades.

Nesse ponto, devemos observar que embora os debatedores possam optar por adotar uma divisão de tempo durante o prep time, como por exemplo dividindo o prep em 3 momentos, “a)” alguns minutos pensando em um caso, “b)” alguns minutos discutindo sobre e “c)” o restante do tempo escrevendo seus discursos, isso ainda é uma divisão de tempo bem básica e que não leva em conta fatores como sua posição no debate e a bancada que está posicionado.

Isto é, para um whip, parece que o tempo necessário para escrever o seu discurso não é tão essencial assim durante um prep time, ademais, a extensão ter mais tempo para pensar em linhas diversas ou discutir essas linhas com sua dupla parece ser igualmente bom. Isso, sem levar em consideração outras questões pertinentes ao tempo de preparação que deveriam ocupar um espaço nessa divisão.

Ou seja, os debatedores não introduzem na divisão de tempo a maioria dos elementos discutidos aqui, como por exemplo, um momento para pensar no contexto de uma moção, nos seus fardos e naquilo que é mutável ou simétrico dentro de um debate.

Outro erro comum é quanto à divisão de tarefas: quando não são divididas de forma adequada, os debatedores acabam por não contribuir da forma mais estratégica possível para a elaboração de um bom caso.

Explico, é comum que durante os minutos iniciais de um prep time os debatedores de uma dupla pensem - separadamente - em casos para rodar em determinada moção. Com isso, quando começam a conversar sobre, percebem que ambos pensaram no “mesmo” caso ou que os contributos que um dos membros possui já foram pensados por seu parceiro em algum momento. Isso significa que alguns minutos de um dos membros da dupla foram mal utilizados durante a preparação.

Assim, fica claro que quando os debatedores não conseguem fazer uma divisão estratégica do tempo de preparação, ou não dividem de antemão as tarefas - a depender de sua posição no debate ou de suas habilidades particulares - frequentemente podem cair em situações como a explicitada e acabar prejudicando a dinâmica de um bom prep time.

Em suma, algumas coisas podem ser levadas em consideração para divisão de tempo e tarefas durante um bom tempo de preparação.

Primeiramente, no que se refere a divisão de tempo podem ser consideradas “a)” a sua posição dentro do debate, “b)” a complexidade técnica ou de conteúdo da moção, “c)” as necessidades pessoais de cada debatedor em matérias como o tempo necessário para a escrita do discurso e para pensar em casos sozinho e “d)” até mesmo a divisão de tarefas pré acordada entre os debatedores.

Em seguida, no que se refere a divisão de tarefas podem ser consideradas “a)” as particularidades e predisposições de cada debatedor ou “b)” as funções que serão desempenhadas por cada um dos membros em seus discursos.

Em síntese, discutimos um pouco sobre o primeiro dos objetivos gerais traçados a respeito do tempo de preparação “Identificar os erros mais comuns cometidos por debatedores durante o tempo de preparação” e adentramos um pouco sobre algumas ideias - ainda em abstrato - de como resolver esses problemas.