Framing, por Nicholas Soyombo
Nicholas Soyombo
9 de setembro de 2025
O ato de argumentar pode ser grosseiramente dividido em duas formas em relação à forma de abordar um tópico em debate: a primeira delas é provar que o que se está dizendo é verdade. Sendo o debate competitivo – teoricamente – um meio no qual todos os envolvidos são razoavelmente honestos intelectualmente e lógicos, é possível dizer que todas as quatro duplas de um debate ideal farão argumentos que cumprirão o este propósito, isto é, todos serão capazes de oferecer evidências que ofereçam suporte o suficiente para creditar sua conclusão como verdadeira. A segunda forma de abordar um tópico em debate busca criar uma discriminação, não de fato, mas de relevância entre os argumentos que são igualmente bem construídos no mundo lógico. O enquadramento, ou framing, entra nesta segunda seara.
O enquadramento oferecido por um debatedor em um debate nada mais é do que um conjunto de fatos ou análises oferecidas para a construção de um cenário no qual os argumentos lógicos irão acontecer. Ele se difere dos argumentos porque, enquanto argumentos são basicamente motivos pelos quais alguém deve se opor ou propor a moção, o enquadramento tem – teoricamente – um valor neutro. Isto é, são informações e avaliações situacionais sobre uma localização, um povo, um agente, um período no espaço e no tempo, por si só, ele não é capaz de convencer alguém de nada. Contudo, o que ele é capaz de fazer é contextualizar o mundo no qual os argumentos acontecem, alterando a leitura feita do impacto de algo ser verdade ou não, a saber, o framing pode:
- Aumentar ou diminuir a probabilidade de um impacto.
- Alterar a relevância do impacto acontecer ou não.
De modo geral, o enquadramento é uma ferramenta para se alterar a verossimilhança de argumentos dentro do debate, fazendo um recorte – um enquadramento – da realidade de forma a beneficiar um caso. A importância desse recurso dentro do debate é simples: o jogo de convencimento que é o debate competitivo credita, por essência, o argumento mais apelativo, para isso, o enquadramento funciona para os argumentos e, mais importantemente, para a perspectiva do juiz como um retrato, um quadro, da realidade, no qual está pintado um simulacro da realidade. Essa simulação é o que atribui significância para a tomada de decisão de apoiar ou se opor a determinada moção. Com isso mente, é importante entender que é impossível esgotar o tópico “framing” com um texto ou com um vídeo, como tudo pode ser objeto de enquadramento, esse texto apenas se propõe a cobrir uma gama estrita e mais recorrente de objetos colocados dentro de um enquadramento na conjuntura de um debate competitivo. Portanto, para entender o que o enquadramento faz com o debate, nós precisamos entender o que são as métricas em um debate.
Métricas (unidades de medida)
As métricas, como o próprio nome intui, são as medidas utilizadas para se julgar e se avaliar um debate ou um argumento. Da mesma forma que na física nem todas as grandezas são vetoriais, no debate competitivo nem todos os argumentos obedecem a um mesmo crivo de relevância. Algumas das unidades de medida do debate competitivo são:
- Quantidade
- Exemplo: muitas pessoas serão positivamente afetadas com a paz mundial.
- Intensidade
- Exemplo: todos adorariam pagar menos impostos, mas é preferível que os 1% mais pobres não paguem nenhum porque, apesar de estarem em menor número, o dinheiro para eles é a diferença entre conseguir se alimentar ou não
- Vulnerabilidade
- Exemplo: ao realizarmos a evacuação de emergência, os idosos e as crianças vão primeiro, já que eles são menos capazes de se proteger e de sobreviver a fatalidades.
- Moralidade
- Exemplo: a pena de morte para roubo é algo abjeto porque não há bem que tenha maior valor do que a vida.
- Probabilidade:
- Exemplo: é pouco provável que a punição do Tribunal de Haia tenha algum efeito sobre Benjamin Netanyahu, pois não é como se ele estivesse pessoalmente mais ou menos ameaçado desde que eles emitiram esse julgamento.
O enquadramento interage com a métrica, que nada mais é do que a premissa do porquê você está fazendo o argumento em primeiro lugar, o porquê de você ter escolhido determinado caso. A escolha de caso deve ter a sua premissa feita de forma deliberada – intencional –, por mais intuitiva que seja, é essencial que se identifique com precisão qual é o apelo adjacente da sua abordagem do debate. Tendo em mente a métrica que será proposta, o enquadramento entra em cena ao adicionar camadas de conteúdo e fatos que tornem a métrica mais apelativa, dobrando o debate ao caso sendo proposto por uma dupla.
Compreender a relação entre framing e a unidade de medida explica a relevância de se entender o enquadramento como um simulacro da realidade: uma vez que os argumentos são todos potencialmente capazes de convencimento, o que torna o convencimento mais concreto é a adição de conteúdo e contexto ao cenário no qual seu argumento se desenvolve de modo que a sua conclusão seja creditada como um material mais relevante ou prioritário ao se avaliar a proposição ou a oposição a uma moção.
Enquadramento em debate
O framing ideal é direto e bem sinalizado, por ser intencional, ele busca, de forma sucinta – para não perder a atenção do adjudicador –, oferecer fatos, análises e percepções que sejam capazes de mudar a avaliação do conteúdo sendo oferecido. Para melhor compreensão dos possíveis enquadramentos, vamos desenovelar
Israel deveria suspender o bloqueio de ajuda humanitária em Gaza
- Contexto local
- A ajuda humanitária é essencial especificamente em Gaza
- A população palestina em Gaza está sendo submetida a múltiplos ataques indiscriminados que quebram as regras de proporcionalidade da guerra, gerando muito mais causalidades do que o aceitável, o bloqueio impede que essas pessoas que nada têm a ver com o conflito possam adquirir a infraestrutura necessária para conseguirem ter autonomia necessária para romperem tanto com o jugo do Hamas quanto o de Israel, conseguindo, enfim, se autodeterminar.
- Vulnerabilidade
- Nós estamos revitimizando uma população
- A população em Gaza já é uma população empobrecida, com múltiplas demandas sociais básicas como falta de roupa, casa e saúde, o bloqueio de ajuda humanitária apenas agrava essas vulnerabilidades.
- Legitimidade
- Independemente dos desfechos, isso é inválido.
- A ideia de democracia é uma ideia concebida como basilar para a nossa organização social justamente porque somente numa democracia nós podemos aferir legitimidade aos órgãos reguladores que interferem tanto na nossa vida, as instituições do Estado precisam se sujeitar à vontade pública de tempos em tempos para que nós possamos determinar o rumo das intervenções que elas farão na nossa vida, ora construindo escolas, ora hospitais. No entanto, na situação atual, nós temos uma população inteira sendo feita de refém e sendo submetida à fome por um Estado não eleito.
- Probabilidade
- O objetivo não vai ser conquistado:
- É pouco provável que o bloqueio de ajuda humanitária à Gaza tenha grandes efeitos sobre a cadeia de suprimentos que alimenta o Hamas com recursos, pois, se tratando de uma organização terrorista, é muito mais provável que eles tenham acesso a formas de contrabando e pirataria que sejam capazes de, mesmo com o contingenciamento, os manterem na ativa, o que não é verdade para a população, que vive um contexto de completa desassistência. É mais provável que Israel incorra em crime humanitário do que autodefesa ao tomar essa decisão específica.
- Fardo do argumento
- Nada além da ajuda humanitária é relevante ao decidir se somos a favor ou não da medida.
- Reparem bem, nós não necessariamente nos opomos à guerra que Israel promove contra o Hamas, tampouco ao direito de autodefesa de Israel, aqui, nós apenas nos propomos a avaliar como que o bloqueio a ajuda humanitária é negativo. Todos os argumentos das demais duplas se Israel tinha razão em manter o cerco ao Hamas ou não são irrelevantes, o fardo central está nessa ferramenta específica sendo utilizada como instrumento ao cerco.
- Encontrando Davi em Golias:
- A população de Israel é importante.
- Mesa, parte importante da população de Israel já é favorável à guerra, fazer com que mais pessoas sejam retiradas dos seus seios familiares em Israel para engrossar as fileira das Forças de Defesa Israelenses para um propósito tão pouco útil não apenas vitimiza palestinos, como viola a liberdade dos próprios cidadãos, para com quem o Estado de Israel têm seus deveres, ao os obrigarem a cessar tudo que estão fazendo para se tornarem militares.
- Ponto de inflexão
- Nunca antes na história nos deparamos com um contexto como esse
- Nós estamos assistindo uma possível extinção étnico-cultural diante dos nossos olhos, nos primeiros 12 meses de guerra, a expectativa de vida em Gaza diminuiu cerca de 35 anos. Nós nunca tivemos tantos feridos, tantas pessoas com fome extrema, desabrigadas e sem a capacidade de se reestruturar por deficiência de prédios, rodovias, casas, escolas e igrejas como agora. Não permitir que a ajuda chegue agora significa que ela não será mais necessária muito em breve.
Aplicação
Ao utilizarmos o framing, é importante que nós tenhamos em mente o que nos distingue das demais duplas. Uma vez que ele é utilizado não apenas para primeiras bancadas se manterem relevante ao longo do debate, saber como se diferenciar usando framing também é uma habilidade essencial para adjuntos, extensionistas e especialmente para whips.
O enquadramento é mais bem aproveitado pelos demais que não sejam o primeiro ministro ou o líder da oposição quando, ao avaliar o enquadramento do caso de outras duplas, o debatedor é capaz de distinguir se sua vantagem se encontra em oferecer maior probabilidade ou em oferecer um impacto maior ou diferente. Nesse sentido, é importante entendermos quais são as características do seu caso que o tornam favorável e, para fazer um bom reframing, será preciso oferecer análises e motivos pelos quais as métricas/premissas encontradas no seu caso são suficientemente mais relevantes para justificar que elas prevaleçam perante ao debate que ocorreu entre os discursos que te antecederam.
As diferenças de impacto, que costumam ser as diferenças que mais levam a um reframing de segundas falas ou de segundas metade, devem apresentadas de modo a engajar com o debate proposto na primeira metade. Esse engajamento deve ser feito apontando as limitações da primeira metade em resolver um problema central da moção ou ao deixar um aspecto do debate marginalizado. Contudo, a virada de chave, aqui, se encontra na identificação dessa divergência e na abordagem dela de forma direta a justificar a necessidade de se trocar o enquadramento:
Exemplo:
- Esta Casa Acredita Que o movimento feminista deveria se opor a intervenções militares que dizem promover o direito das mulheres
- OG: as mulheres dos locais que são invadidos militarmente são duplamente lesadas, tanto por serem violentadas pela força militar estrangeira que está ocupando seu país quanto por serem forçadas a se manter em casa para zelar pela família que muito provavelmente será despedaçada, posto que os homens e os pais de família serão convocados para o combate, abandonando suas esposas e seus filhos.
- OO: o movimento não deveria se opor, pois os locais que são invadidos militarmente muitas vezes são áreas marginalizadas de países com o Estado deficitário, tendo múltiplas facções de poder paralelo, impondo regras sobre a população local, impedindo mulheres de frequentarem às escolas, tal qual o Talibã no Afeganistão.
- CO: se o movimento feminista acha a campanha boa ou ruim pouco importa, pois a opinião do movimento feminista muito provavelmente não é capaz de tornar a campanha mais ou menos provável de acontecer, pois os tomadores dessa decisão – os chefes de segurança – não são acessíveis às lideranças feministas, por isso a campanha vai acontecer de qualquer forma, isso posto, o debate entre OG e OO pouco importa. O que é importante, todavia, é como que não se opor a essa campanha que vai acontecer de qualquer forma pode colocar o movimento feminista em vantagem?
- Endereçou a primeira metade
- Introduziu uma nova perspectiva de debate
- Será julgado por um impacto diferente do disputado entre as primeiras bancadas.
Duas duplas, independentemente de suas bancadas, podem disputar um mesmo impacto, se ele ocorre ou não ou em qual caso ele tem uma maior probabilidade de ocorrer. Nessa situação, a probabilidade é uma diferenciação importante porque o impacto mas sólido, que ocorre em mais cenários ou que depende de menos fatores para ocorrer, em geral, costuma ser o mais apelativo para o eleitor médio. De modo análogo ao que ocorre na diferenciação de impacto, também será necessária uma análise que não dependa de fatores externos, alguma análise que seja mais verossímil e embasada na realidade. Nesses casos, o que é desejável que se faça é oferecer razões estruturais para o porquê de algo acontecer, sendo essas razões estruturais a porção onde se insere o enquadramento.
Razões estruturais são caracterizações, da psicologia de agentes, de atores interessados e, principalmente, de interações entre o objeto da moção e o mundo fora dela que sejam razoavelmente rígidas o suficiente para se tornarem um padrão. Aqui, é encontrar tendências que expliquem o porquê de algo se repetir múltiplas vezes e conseguir tecer argumentos que interajam com os pontos frágeis dessas estruturas. Extrair argumentos de tendências e padrões que sejam reais faz com que esse trabalho seja menos custoso e mais intuitivo, tanto para estruturação do argumento, quanto para ancoragem do juiz.
Exemplo:
- Esta Casa Acredita Que o hiato salarial entre homens e mulheres é injusto
- OG: igualdade salarial entre mulheres é importante porque ela é moralmente justa, posto que, na maioria esmagadora de cenários, mulheres e homens são capazes de desempenhar a mesma função com a mesma eficiência, é injusto pagar menos por um mesmo serviço, fazendo com que mulheres sejam progressivamente marginalizadas na sociedade ao terem um menor poder aquisitivo quando comparadas aos seus pares, homens, fazendo com que elas tenham menor poder aquisitivo para investir em na própria educação ou em lazeres pessoais, impossibilitando-as de viverem a vida com a mesma quantidade de regalias que seus pares masculinos teriam. Essa restrição econômica, essa incapacidade de prover por si mesma faz com que ela sempre esteja em uma desvantagem, jamais se sentindo verdadeiramente livre.
- CG: nós concordamos com o primeiro governo no ponto da injustiça, também somos a favor da igualdade salarial entre homens e mulheres, contudo acreditamos que a igualdade salarial é chave para libertação feminina não apenas porque o poder aquisitivo e de auto-sustento da mulher é comparativamente menor, mas porque o fato de receberem menos faz com que, dentro do ambiente doméstico, o trabalho do homem seja consistentemente priorizado em função de ele ser o maior provedor financeiro da casa, em detrimento da carreira profissional da sua esposa, de modo que, mesmo quando não há intencionalidade de dano à mulher, há um apelo para a sua restrição ao ambiente doméstico que é feito de forma sistemática quando núcleos familiares são induzidos a priorizar o trabalho e a independência do homem, o que significa que na ausência de igualdade salarial, os papéis de gênero são reinforçådos por todos, não apenas pelas pessoas imbuídas de um sexismo flagrante.
No exemplo acima, em uma moção propositalmente desequilibra para fins de clarificação, ainda que uma discussão seja possível, há um apelo entre duas bancadas por um mesmo impacto, que é provar como que igualdade salarial é chave para a libertação feminina, contudo o contexto no qual a igualdade salarial desencadeia a libertação feminina na segunda bancada se debruça sobre questões menos contingentes em como a mulher individualmente se sente ou se coloca frente ao mundo, ao invés disso, se volta para situações “culposas” muito provavelmente mais prevalentes e possíveis de serem reais em múltiplos cenários, de forma que, a priori, a segunda metade tenha um caminho mais aberto para cooptação dos impactos.
Em síntese, o enquadramento se revela não apenas como um recurso acessório ao debate, mas como um elemento central na construção da relevância e da força persuasiva dos argumentos. Ao interagir diretamente com as métricas, ele permite que os debatedores moldem a percepção do adjudicador acerca do peso, da probabilidade e da legitimidade dos impactos em disputa, criando um simulacro da realidade no qual seus casos parecem mais sólidos e prioritários. Por isso, compreender e aplicar o framing de forma consciente é uma habilidade indispensável em todas as posições, especialmente quando se trata de diferenciar casos, oferecer reframings estratégicos e estruturar razões que dialoguem com padrões mais consistentes da realidade.